A lavagem de dinheiro, que basicamente é uma prática de ocultar ou encobrir a origem real – e ilícita – de valores ou bens, pode impactar qualquer empresa, de qualquer segmento. Entretanto, alguns setores são mais suscetíveis à escolha de criminosos para essa prática. Isso justifica as obrigações impostas pela Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998) a determinados setores e entidades.
Conforme ensina a Fundação Escola Nacional de Administração Pública (Enap), os criminosos têm preferência por alguns segmentos econômicos “em função de particularidades destas atividades que, sem o devido cuidado, podem facilitar a colocação, a ocultação e a integração do ativo criminoso ao sistema econômico”, detalha em um dos módulos de seus cursos.
Bolsas: As bolsas de valores, de mercadorias ou futuros, assim como sistemas de negociação do mercado de balcão organizado, fazem parte de um segmento atrativo para a lavagem de dinheiro por suas características quanto à liquidez das transações, à agilidade das movimentações e à globalização dos negócios.
Instituições Financeiras: Elas estão na mira de quem lava dinheiro, porque o avanço tecnológico deixou mais fácil a circulação de grandes montantes, até mesmo via celular. Neste segmento, entram bancos, cooperativas de crédito, fintechs, entre outras. Também podemos incluir empresas que atuam exclusivamente no segmento de meios de pagamento, como administradoras e emissoras de cartão de crédito e débito, processadoras de pagamento etc., incluindo aquelas com atividade (principal ou acessória) em: 1) captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira; 2) compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial; e 3) custódia, emissão, distribuição, liquidação, negociação, intermediação ou administração de títulos ou valores mobiliários.
Mercado Imobiliário: São as incorporadoras, construtoras, imobiliárias, corretores de imóveis e demais atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis. O atrativo deste segmento econômico é pela precificação dos imóveis por ser um tanto quanto subjetiva, podendo ter valores inflacionados pelas especulações imobiliárias, além de não serem raras as transações em espécie.
Seguros, capitalização e previdência privada: São seguradoras, resseguradoras (que oferecem seguro para as seguradoras) e corretoras de seguros, além de entidades de previdência complementar ou de capitalização. Aqui todo cuidado é pouco, porque segurados podem comunicar falsos sinistros; proprietários de títulos de capitalização sorteados podem facilmente transferir a propriedade, por exemplo.
Jogos e sorteios: Hora ou outra são levantadas dúvidas quanto à manipulação de resultados e de premiações, não é mesmo? E em muitos casos, basta ter o bilhete contemplado nas mãos, uma figura que pode até ser “laranja”. Nestes segmentos, entram pessoas físicas ou jurídicas que realizam, por meio de jogos, loterias, sorteios ou apostas, a distribuição de dinheiro, bens móveis e/ou imóveis, outras mercadorias ou serviços.
Luxo: Produtos glamourosos e de alto valor monetário enchem os olhos dos criminosos envolvidos em lavagem de dinheiro e, por isso, alguns segmentos e profissionais são bastante suscetíveis a esse crime, como joalherias, galerias de arte, leiloeiros, negociantes de antiguidades e demais estabelecimentos que negociam jóias, pedras e metais preciosos, objetos de arte, antiguidades, além do que envolva alto valor e grande volume de recursos em espécie. Podemos incluir ainda carros de luxo, iates e aviões.
Agronegócio: Também não estão imunes às pessoas físicas ou jurídicas que comercializam bens de alto valor de origem rural ou animal ou atuam como intermediadores dessa comercialização, ou seja, empresas do agronegócio, cooperativas agrícolas, produtores rurais etc.
Internet e e-commerce: Na era digital, empresas expandem seus negócios, além das que já nascem somente online. Aliado às inovações que surgem, como novos meios de pagamento, trata-se de um terreno fértil para a lavagem de dinheiro.
Esportivo e artístico: Pessoa física ou jurídica que atua com promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares, podem ser alvos da prática de lavagem de dinheiro.
Ativos virtuais: Incluídas em 2022 na Lei, as prestadoras de serviços de ativos virtuais são as que atuam com propriedades digitais de valor, que tem crescido de importância na era digital e são de difícil mensuração, em alguns casos, até porque são business que se concentram no mundo virtual. Este segmento inclui desde materiais com copyrights (como fotos e vídeos) e contas em redes sociais até ativos financeiros como criptomoedas, tokens e NFTs (tokens não fungíveis).
Outros setores vulneráveis: Há vários outros segmentos que constam na Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, como o de empresas de arrendamento mercantil (leasing), de fomento comercial (factoring) e as Empresas Simples de Crédito (ESC); às juntas comerciais e registros públicos; qualquer entidade que depende de autorização de órgão regulador dos mercados financeiro, de câmbio, de capitais e de seguros; empresas de transporte e guarda de valores. Outros segmentos atrativos a esses criminosos são os de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência nas áreas econômico-financeiras, mobiliária, imobiliária, gestão de qualquer natureza, eventos artísticos e esportivos, entre outras.
Pela Lei, empresas, bem como pessoas físicas com determinadas atuações, são obrigadas a implementar medidas de prevenção à lavagem de dinheiro, as quais diferem de acordo com a atividade, porte etc. Em linhas gerais, entre as ações necessárias, sob responsabilidade da empresa, estão: identificação de clientes, análise da origem de recursos utilizados, monitoramento de transações ou atividades atípicas ou suspeitas, comunicação de operações ou transações atípicas ou suspeitas ao órgão competente.
Geralmente, a lavagem de dinheiro envolve múltiplas operações financeiras e comerciais, exatamente para “mascarar” e dificultar a identificação da origem do dinheiro sujo.
Não é raro, portanto, que o dinheiro circule por mais de um país. Os criminosos inclusive têm preferência por alguns deles na ocultação do dinheiro lavado.
A Enap destaca os riscos associados a dinheiro com passagem por paraísos fiscais e paraísos jurídicos. Nos primeiros, o alerta é por conta de que essas jurisdições, que oferecem alíquotas de tributação nulas ou muito baixas, garantem sigilo bancário absoluto, ou seja, protegem a identidade do proprietário dos recursos estrangeiros que foram atraídos.
Entre os quatro principais destinos de investimentos de residentes no Brasil, segundo o Banco Central, três são classificados como paraísos fiscais: Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas e Bahamas, que juntas receberam US$ 220,6 bilhões em 2021 (51,2% do montante total enviado para o exterior) – só perdem para os recursos enviados para a Holanda (US$ 81,5 bilhões), que não é um paraíso fiscal.
Já os paraísos jurídicos são considerados aqueles que não cumprem a execução de cartas rogatórias (instrumento jurídico para comunicação entre as Justiças de países diferentes), não têm tratados de extradição e nem acordos para compartilhamento de informações relevantes com autoridades de outros países.
Além desses, merece destaque ainda os centros financeiros (offshore), onde várias instituições financeiras são controladas por não residentes da jurisdição, assim como também são de fora a maioria das pessoas físicas e jurídicas que realizam transações financeiras. Segundo a Enap, “os centros offshore também se caracterizam por serem jurisdições que oferecem tributação baixa ou zero, regulamentação frouxa do setor financeiro, regras mais severas de segredo bancário e anonimato”.
No cenário de combate ao crime de lavagem de dinheiro, as empresas, principalmente as mais suscetíveis, devem ter processos bem desenvolvidos e dados muito bem coletados e organizados e, diante de suspeitas, comunicar o órgão competente, que no Brasil é o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ligado ao Ministério da Fazenda. As comunicações são feitas eletronicamente através do Siscoaf.